É preciso considerar, entretanto, que malgrado constituindo um sistema predominantemente proletário, que se distinguia nitidamente das formas “elevadas” de cultura da burguesia e da classe média, esse primeiro cinema não refletia necessariamente as aspirações da camada mais politizada da classe operária do século XIX, a camada organizada em partidos e sindicatos. As exceções são raras: Le Cuirassé Potemkin (O Encouraçado Potemkin – não confundir com o filme russo de Serguei Eisenstein, que só seria realizado vinte anos mais tarde), realizado por Ferdinand Zecca em 1905, no mesmo ano portanto que a célebre sublevação da tripulação do encouraçado Potemkin contra autoridade do czar da Rússia, parece bastante simpático à causa dos marinheiros amotinados. Mas é preciso considerar também que esses setores, digamos assim, mais “conscientes” do proletariado, esses setores que marcavam sua presença no cenário político da época, eram contraditoriamente muito conservadores do ponto de vista cultural. Esses setores, nem é preciso dizê-lo, encaravam o cinematógrafo como mais uma forma de ópio para o povo.
No período que vai de 1895 (data das primeiras exibições públicas do cinematógrafo dos Lumière) até meados da primeira década do século seguinte, os filmes que se faziam compreendiam registros dos próprios números de vaudeville, ou então atualidades reconstituídas, gags de comicidade popular, contos de fadas, pornografia e prestidigitação. Os catálogos dos produtores da época classificavam os filmes produzidos como “Paisagens”, “Notícias”, “Tomadas de vaudeville“, “Incidentes”, “Quadros Mágicos”, “Teasers” (forma atenuada para designar a pornografia) etc. O sistema de representação que podemos identificar como específico desse período deriva não tanto das formas artísticas eruditas (teatro, ópera, literatura) dos séculos XVIII e XIX, mas principalmente das formas populares de cultura provenientes da Idade Média ou de épocas imediatamente posteriores. A iconografia de Méliès, por exemplo, hoje tão estranha aos nossos olhos viciados pelo realismo do espetáculo cinematográfico, deriva diretamente das gravuras populares, de modelos iconográficos não-europeus e de toda a tradição pictórica popular da Idade Média, donde a estilização e o grafismo primitivo, o desprezo total pelas convenções da perspectiva renascentista e pelas regras do naturalismo visual.
No período que vai de 1895 (data das primeiras exibições públicas do cinematógrafo dos Lumière) até meados da primeira década do século seguinte, os filmes que se faziam compreendiam registros dos próprios números de vaudeville, ou então atualidades reconstituídas, gags de comicidade popular, contos de fadas, pornografia e prestidigitação.
Os catálogos dos produtores da época classificavam os filmes produzidos como “Paisagens”, “Notícias”, “Tomadas de vaudeville“, “Incidentes”, “Quadros Mágicos”, “Teasers” (forma atenuada para designar a pornografia) etc. O sistema de representação que podemos identificar como específico desse período deriva não tanto das formas artísticas eruditas (teatro, ópera, literatura) dos séculos XVIII e XIX, mas principalmente das formas populares de cultura provenientes da Idade Média ou de épocas imediatamente posteriores. A iconografia de Méliès, por exemplo, hoje tão estranha aos nossos olhos viciados pelo realismo do espetáculo cinematográfico, deriva diretamente das gravuras populares, de modelos iconográficos não-europeus e de toda a tradição pictórica popular da Idade Média, donde a estilização e o grafismo primitivo, o desprezo total pelas convenções da perspectiva renascentista e pelas regras do naturalismo visual.
No que diz respeito mais propriamente ao conteúdo, os filmes primitivos não só davam exemplos abundantes de cinismo e perversão, como ainda ridicularizavam a autoridade, invertendo os valores morais. Filmes como How They Rob Men in Chicago (Como se Rouba as Pessoas em Chicago/ 1900) e A Legal Hold-up (Um Assalto Dentro da Lei/ 1901) mostravam policiais corruptos utilizando suas prerrogativas legais para roubar as pessoas nas ruas, enquanto Charles Peace (1905) focalizava a vida de um famoso ladrão londrino, condenado à morte cinquenta anos antes, como um apaixonado espetáculo de acrobacias de um palhaço circense que faz gato-sapato da polícia e das autoridades. O grande herói do período, reverenciado por um número incontável de pequenos filmes, é o vagabundo, de que Chaplin seria uma espécie de reencarnação, quase vinte anos depois, através de seu personagem Carlitos.