9. O cinema sonoro pag. 50

É preciso considerar que, paralelamente à aventura de Edison, inúmeros outros industriais e curiosos tentaram re­solver, cada um à sua maneira, o desafio do cinema sonoro ou do fonógrafo visual. Léon Gaumont, já no início do século, arrisca o seu cronofone, Lee De Forest rascunha as primeiras experiências com utilização de som óptico e técnicas de amplificação, inúmeras tentativas de sincronizar filme com disco são apresentadas (o camerafone, o cinefone, o fonoscópio, o picturefone, o vivafone etc.) e até mesmo uma experiência brasileira foi conduzida nessa direção, por Paulo Benedetti, nos idos de 1915. Mas todas essas tentativas resultaram de alguma forma fracassadas, pelo menos do ponto de vista das possibilidades de exploração comercial, o que, num certo sentido, transformou a questão da gravação sonora num tabu perante os magnatas do período “mudo” do cinema.

Picturefone

Várias razões podem explicar as desventuras de Edison com o fonógrafo óptico e o fato de o cinema ter esperado mais de três décadas para incorporar definitivamente o som gravado ao seu dispositivo significante. Duas razões, porém, foram determinantes. A primeira é o próprio modelo de cinema que se impôs como dominante, o modelo de Lumiére, baseado na projeção, em sala escura e ampla, de uma imagem ampliada numa tela. Infelizmente, nos primeiros trinta anos de história do cinematógrafo, não havia recursos de amplificação suficientes para preencher de som uma sala pública de espetáculos, nem alto-falantes capazes de suportar tal amplificação sem distorções exageradas.

Fonógrafo com ampliação sonora

O som reproduzido pelo fonógrafo era fraco demais para a escala de exibição do filme. O quinetoscópio de Edison não sofria desse mal, porque era um cinema em escala individual, que se podia mirar através de um pequeno visor e ouvir através de cones ou fones de ouvido. Por essa razão, o cinema pôde já nascer sonoro, na sua versão individual, e perder o som posteriormente, com a generalização das salas públicas. Embora os primeiros esboços da amplificação eletrônica a tubo de vácuo já tenham sido experimentados desde 1906, graças aos esforços do incansável Lee De Forest, a verdade é que só em 1925 aparecem os primeiros fonógrafos com amplificação eletrônica (produzidos em escala industrial pela Bell Telephone) e só então o cinema está em condições de incorporar definitivamente o som.

A segunda razão é a dificuldade de sincronização da cinta de imagens com o disco rotativo. Nos primeiros trinta anos de cinema, não há qualquer padronização das velocidades de captação e projeção da imagem. A ideia de que o cinema mudo corria à velocidade de 16 fotogramas por segundo é uma quimera. Nos primeiros tempos, quando as câmeras eram movidas a manivela, a cadência era dada pelos cameramen e os projecionistas jamais conseguiam reproduzir a mesma velocidade com que os planos foram tomados. O problema não foi superado nem mesmo com a generalização das câmeras movidas a corda ou a eletricidade, porque não havia uma velocidade padronizada comum a toda indústria cinematográfica. Cada filme tinha a sua própria cadência. Além disso, a velocidade podia variar não apenas de filme a filme, mas também de plano a plano, dentro do mesmo filme, em função de certos efeitos buscados. Thomas Ince, por exemplo, costumava anotar instruções em seus roteiros para orientar o operador da câmera quanto à velocidade com que deveria tomar cada plano. O fonógrafo, por sua vez, não estava livre de oscilações semelhantes, mesmo depois que um motor elétrico substituiu a manivela de rotação. Como então pensar em sincronizar dois aparelhos sem estabilidade e absolutamente desprovidos de um padrão fixo de rotação?

Na década de 20, duas soluções foram apresentadas para enfrentar esse problema. Em primeiro lugar, a Vitaphone, empresa mais decididamente empenhada em explorar o cinema sonoro, estabelece autoritariamente uma velocidade padrão (24 fotogramas por segundo para o filme e 33 1/3 rotações por minuto para o disco de som), que deveria ser obedecida dali por diante. Uma vez que a empresa teve sucesso com seu modelo de cinema sonoro, ela conseguiu também impor o padrão. Ao contrário do que se costuma pensar, não há qualquer razão lógica ou técnica para a adoção dessa cadência de imagens, a não ser o fato de uma pesquisa informal sobre as velocidades efetivamente praticadas pelos exibidores na cidade americana de Chicago, realizada em meados dos anos 20, ter obtido a média de 24 fotogramas por segundo. Com a padronização rigorosa, foi possível, a partir de 1926, obter o primeiro modelo bem sucedido de sincronização de filme com disco, o sistema Sound-on-Disc da Vitaphone.

Mas o sistema de sincronização de projetor com fonógrafo ainda não era o ideal. Os discos precisavam ser virados e trocados durante a projeção do filme, riscavam-se e quebravam-se com facilidade, além de não garantir uma sincronização perfeita por longo tempo. Se o filme se rompesse durante a exibição, não havia como restituir o sincronismo. Além disso, era muito comum acontecer dos discos serem colocados na ordem errada. Logo ficou claro que o método mais funcional (e aqui a segunda solução ao problema da sincronização) seria o registro do som na própria película cinematográfica, através da retomada de processos experimentados por Lee De Forest desde o início do século. Em 1903, Eugene Lauste havia inventado um método de fotografar as ondas sonoras e de restituir o som através da projeção do filme sobre uma célula de selênio. Entre 1906 e 1924, Forest vai envidar todos os seus esforços no sentido de transformar o invento de Lauste num dispositivo áudio-visual completo, com amplificação e sincronização. Nos anos 20, ele se associa a Theodore Case, que havia conseguido transformar um projetor de 35 mm comum num completo projetor sonoro. Assim, em 1924, Forest já podia exibir ao mundo um método eficiente de registro do som diretamente sobre película cinematográfica, método este que, embora não rendesse ainda a mesma qualidade sonora da técnica de sincronização com discos, ultrapassava longinquamente esta última em matéria de funcionalidade e acabaria por se converter em padrão de cinema sonoro a partir dos anos 30. Infelizmente, porém, Forest era apenas um inventor solitário e não tinha capital suficiente para explorar comercialmente o seu invento. Os louros e os lucros do novo processo acabariam revertendo para três empresas espertas, que souberam sacar proveito da novidade no tempo oportuno: a Vitaphone (na verdade, Warner Bros) com seu novo sistema Sound-on-Film, a Fox com seu Movietone e um consórcio europeu com o Tri-Ergon.