5. A contribuição de Griffith pag. 29

Mas no caminho que leva o cinema na direção da decupagem linear há ainda mais um interregno decisivo: o período de vigência da chamada montagem paralela. Na montagem paralela, em vez de se fazer suceder uma sequência linear de ações sucessivas (no tempo) e contíguas (no espaço), faz-se a alternância de dois espaços diferentes que vão se sucedendo um depois do outro na tela, de modo a sugerir ações paralelas. Algumas situações de alternância de ações paralelas acabaram se tornando prototípicas do cinema dos primeiros tempos, como é o caso daqueles filmes em que os bandidos amarram a heroína no trilho do trem, enquanto o herói, num outro espaço, corre desvairadamente na tentativa de salvar a mocinha antes que passe o trem. No final. os dois espaços paralelos (da heroína amarrada na linha do trem e do herói que vem a cavalo, lutando contra os obstáculos) se encontram e se tornam um só, ao mesmo tempo em que a mocinha é salva no último momento, alguns segundos antes da chegada do trem e quando tudo já parecia perdido. Trata-se, na verdade, de um aperfeiçoamento da estrutura do filme de perseguição. Há ainda um (ou mais) personagem(ns) que desata(m) numa corrida louca, lutando contra obstáculos que são interpostos no caminho, só que agora essa tomada principal é interrompida a todo momento para revelar o motivo da corrida: em geral, um outro personagem que corre perigo e que só pode ser salvo pelo(s) primeiro(s).

As narrativas com ações paralelas no verdadeiro sentido da expressão e com salvação no último minuto só serão plenamente exploradas e desenvolvidas com o surgimento de Griffith, que fará delas a sua marca registrada. Griffith saberá justamente extrair desse modelo narrativo o seu potencial emotivo, através da exploração do suspense inevitável das situações de perigo e de afastamento físico do salvador. Em The Fatal Hour (A Hora Fatal/1908), realizado apenas seis semanas depois de seu debut como diretor na Biograph, vemos uma mulher detetive que, após ter sido subjugada pelos bandidos, é amarrada e amordaçada diante de um engenhoso dispositivo, que compreende uma pistola e um relógio marcando 11:40 horas. A pistola está ligada ao relógio e deverá disparar (na direção da mulher) quando este último marcar 12 horas. Mas os bandidos são capturados pela polícia, durante a tentativa de fuga, e confessam o crime que estão em vias de cometer. Começa então uma corrida louca da polícia, que vem de carruagem, lutando contra todos os obstáculos, na tentativa de chegar antes que a arma dispare. Tem início, então, o clássico padrão a-b-a-b de edição, fazendo contrapor os espaços da polícia e da mulher. No último instante, poucos segundos antes do dispositivo detonar, a polícia consegue chegar e salvar a mulher. 

The Fatal Hour (A Hora Fatal/1908)

The Fatal Hour introduz uma série de novidades na forma de concatenar os planos de um filme. Em primeiro lugar e ao contrário do que ocorria no filme de perseguição, os planos perdem a sua autonomia, eles são agora pensados em função de uma manipulação consciente do tempo e do espaço e não podem mais ser intercambiados numa ordem diferente daquela proposta pelo realizador. Tudo deve caminhar na direção da catarse final. O tempo encontra-se agora marcado fisicamente (às 12 horas termina a ação, para o bem ou para o mal), ele não pode mais ser estendido indefinidamente através de mais e mais planos de perseguição interpostos na sequência. Os diferentes protagonistas estão agora afastados no espaço, o que significa que eles devem necessariamente ser tomados em planos separados e não mais num único plano geral como ocorria no filme de perseguição. Pode-se dizer, portanto, que o filme de ações paralelas resulta o mais bem sucedido, dentre todos os gêneros examinados até agora, na análise, decomposição e decupagem da trama em unidades sequenciais discretas. As ações paralelas com desfecho redentor apontam, portanto, para um maior controle do fluxo narrativo e já deixam entrever o surgimento de uma instância narradora que manipula o tempo e o espaço em função de uma implicação da audiência dentro da trama. O cinema aproxima-se cada vez mais do ideal literário de uma narrativa controlada nos seus mínimos detalhes, capaz ao mesmo tempo de trabalhar os afetos do espectador na sala escura.

Vale observar, entretanto, que a montagem alternada (a-b-a-b) de ações paralelas precede historicamente a análise e decomposição de uma só e mesma ação em cenas sucessivas. Vimos que o filme de perseguição, malgrado sugerindo uma sucessão linear dos eventos, colocava em relação planos que não eram a continuidade imediata da cena vista no plano anterior. Essa forma de “descontinuidade” básica do cinema dos primeiros tempos permanece ainda no filme editado em paralelo. Em nenhum dos casos, a passagem entre dois planos concatenados pode ser considerada unívoca, ou seja, nem a relação de tempo entre os dois planos sucessivos é uma relação de posterioridade imediata (sem elipse), nem a relação de espaço é uma relação de proximidade física. Em outras palavras, em ambos os casos, os planos encontram-se distanciados uns dos outros tanto no tempo quanto no espaço. Visto que as regras de continuidade ainda não estão consolidadas até esse período, é mais fácil saltar de um espaço para outro diferente do que resolver todos os problemas decorrentes da passagem de uma ação para a sua continuidade imediata num outro plano, porém dentro do mesmo espaço.