Até 1927 mais ou menos, ainda não está claro para a maioria das pessoas que lidam com a chamada sétima arte que a incorporação do som conduziria o cinema na direção dos talkies, ou seja, dos filmes de ficção falados. Mesmo na Vitaphone, empresa mais agressiva na imposição do novo modelo de cinema, ainda se continua pensando que filmes “mudos” de longa metragem, à maneira de Don Juan, continuariam sendo produzidos por muito tempo, lado a lado com curtas de registro de performance musical, estes cem por cento sonoros. A própria divisão da companhia refletia esse pensamento: a Warner Bros continuaria a produzir filmes “mudos” (mesmo que a orquestra ao vivo fosse substituída por discos anexados aos rolos de filmes), enquanto a Vitaphone, sua filha caçula, se dedicaria à produção de cerca de cinco curtas musicais por semana, a maioria dos quais enquadráveis na categoria canned vaudevilles (variedades enlatadas). O próprio Will H. Hays, em sua célebre apresentação (gravada em filme) da seleção exibida pela Vitaphone em Nova York em 1927, apontava na direção do fonógrafo visual: “O cinema – dizia ele – é um dos fatores mais decisivos no desenvolvimento do gosto nacional pela boa música.” E mais adiante: “costuma-se dizer que a arte dos vocalistas e instrumentistas é efêmera, que ela é criada apenas para o momento. A partir de agora, nem os artistas e nem a arte vão jamais morrer para sempre“. Ou seja: para Hays, o futuro do cinema sonoro era servir a música, converter-se em sua memória.
Em quase todo o mundo, quando o cinema adota o som gravado e sincronizado à imagem, é o modelo do fonógrafo que se impõe primeiramente. No Brasil, por exemplo, as primeiras notícias que temos de filmes cem por cento sonoros se referem aos curtas produzidos, a partir de 1929, por Paulo Benedetti, no Rio de Janeiro. Trata-se, fundamentalmente, de filmagens em playback de músicas já lançadas em disco, tendo como figurantes os próprios intérpretes do disco. Sabe-se hoje que a maioria desses filmes era produzida a partir de discos previamente gravados porque, sempre que alguma cópia deles é descoberta, não é difícil recuperar a sua trilha sonora, bastando para isso encontrar o disco de 78 rpm correspondente, lançado no mercado da época. Sabe-se também que Benedetti produziu várias dezenas desses curtas musicais, no final dos anos 20, mas poucos sobreviveram. Dentre os filmes que nos restaram, há uma curiosa gravação de Vamos Fallá do Norte, de Almirante, cantada pelo Bando de Tangarás, grupo que incluía um Noel Rosa de apenas 18 anos, e Jura, de Sinhô, cantada por Aracy Cortes.