Até 1930 mais ou menos, sempre que se apresenta ao cinema a questão da sincronização da imagem com o som gravado em disco ou película, é o modelo do fonógrafo que vem à tona. De fato, das primeiras tentativas de Edison com o quinetofone até a intervenção inicial da Vitaphone, o “gênero” mais característico do primeiro cinema sonoro (ou seja, do cinema dotado de som gravado) é o registro de performances musicais. Nos filmes de Edison predominam basicamente os registros de números musicais do vaudeville, de larga aceitação popular na época. O repertório do cronofone de Léon Gaumont (1902) era mais erudito e incluía trechos de óperas e versos recitados. A primeira projeção pública da Phonofilm de Forest (1923) se resumia a dois números de balé e o registro de um quarteto de cordas. Mas em 1925, o repertório da mesma companhia já era extenso e combinava astros da música popular com expressões da ribalta lírica e até mesmo uma diva da dança como Anna Pavlova. A primeira projeção experimental do sistema Sound-on-Disc da Vitaphone (1925) consistia em cinco peças de jazz band, enquanto a sessão inaugural do Movietone da Fox (1927) incluía artistas de vaudeville e canções de uma cantora de cabaré famosa na época, Raquel Meller.
A mais emblemática das primeiras sessões de som gravado com filme, entretanto, aconteceu em fevereiro de 1927, quando a Vitaphone fez exibir em sua melhor sala de Nova York uma sessão de gala com registros de performances dos maiores nomes da música erudita da época. Na ocasião, a empresa estreou Don Juan, seu primeiro longa metragem dotado de som sincronizado, mas, aos olhos do público, o filme não apresentava qualquer novidade, uma vez que apenas transferia para os discos um acompanhamento sonoro que, em outra ocasião, seria executado ao vivo por uma orquestra. A novidade mesmo estava nos curtas que antecediam o longa metragem. Após uma apresentação de Will H. Hays, presidente do mais poderoso sindicato de produtores e distribuidores de filmes dos EUA, a Orquestra Filarmônica de Nova York executa a Abertura de Tannhäuser de Wagner. Em seguida, o violinista Mischa Elman, acompanhado ao piano por Josef Bonime, interpreta a Humoresque de Dvorak e uma gavota de Gossec. Para quebrar um pouco a seriedade, um guitarrista de vaudeville, Roy Smeck, arranca gargalhadas da plateia com suas incríveis performances. Logo entram a soprano Marion Talley cantando “Caro Nome” da ópera Rigoletto de Verdi. Efrem Zimbalist e Harold Bauer, respectivamente ao violino e piano, interpretando o tema e variações da Sonata Kreutzer de Beethoven, e o tenor Giovanni Martinelli cantando “Vesti la Giubba” da ópera de Leoncavallo I Pagliacci. A apoteose acontece no final, com Anna Case, à frente de um corpo de baile, cantando e dançando uma miscelânea chamada La Fiesta. Todo esse concerto acontece na tela, sem a presença física de nenhum dos intérpretes, com as vozes e os sons perfeitamente sincronizados com os movimentos dos lábios ou dos instrumentos na imagem. O detalhe mais pitoresco dessa sessão é que, no final de cada apresentação, o intérprete voltava-se à plateia e agradecia as palmas. Mas as palmas não eram ouvidas na trilha sonora. Estava pressuposto, portanto, que ele agradecia a ovação real do público efetivamente presente na sala de cinema. Nos primórdios do fonógrafo visual, o cinema simulava a sala de concertos.
Em razão do estágio ainda rudimentar de desenvolvimento dos processos de gravação do som e de sincronização do som com a imagem, esses filmes tinham características bastante rígidas. Não se espere encontrar neles a atual agilidade das transmissões de concertos ao vivo, com a multiplicação de câmeras no cenário e o movimento permanente das câmeras em carrinhos ou gruas, como hoje presenciamos na televisão. Em primeiro lugar, o som era gravado diretamente em disco e o disco não podia ser editado. Se acontecesse qualquer problema durante o registro, o disco tinha de ser jogado fora e era preciso recomeçar a gravação com um novo disco virgem. A peça inteira tinha portanto de ser tomada de uma vez só, em imagem e som. Esse fato fazia com que a música governasse inteiramente o filme, ou seja, tudo deveria convergir para sua plena e exclusiva apresentação. A imagem era reduzida ao mínimo de elementos necessários para dar suporte à música. Não por acaso, quase todos esses curtos são registros de performances reais, em que toda a ação está limitada à execução da música e às dimensões do palco. Mesmo no clássico The Jazz Singer (O Cantor de Jazz/1927), se formos examinar com severidade, quase todas as cenas onde ocorre som sincronizado acontecem sempre num palco como performances.