9. O cinema sonoro

Até aqui, temos nos referido ao cinema como uma articulação de imagens no espaço e no tempo. Mas o cinema também trabalha com uma articulação de sons (ruídos, vozes e música), mais ou menos sincronizados às imagens. É um erro pensar o cinema exclusivamente como imagem, pois ele sempre teve som, mesmo durante o período chamado (equivocadamente) de “mudo”. Para entender melhor a questão do som no cinema, voltemos às origens, não àquele momento mítico em que Lumière mostra as supostas primeiras imagens animadas no Grand Café de Paris, mas a um tempo um pouco anterior, mais exatamente 1877, data em que Thomas Edison patenteia seu primeiro fonógrafo de folha de estanho, construído por seu funcionário suíço John Kruesi. Imediatamente após a invenção do fonógrafo, Edison se deu conta de uma “limitação” de seu aparelho: a falta de imagem.

Protótipo de Fonógrafo

Estamos tão acostumados a ouvir rádio e discos que resulta difícil para nós imaginar como deveria ser estranho, no século XIX, ouvir uma música que brotava de uma máquina, sem a correspondente representação do corpo que a produzia. Recordemo-nos de que, até então, toda performance musical, seja de música erudita ou popular, era produzida ao vivo, com a correspondente e necessária visualização do intérprete. Não é normal, em meados do século XIX, experimentar a música como um fenômeno exclusivamente acústico, sem a localização (visual) de sua fonte produtora. Nada há, portanto, de insólito no fato de Edison encarar o seu invento como incompleto e de buscar, desde logo, o necessário complemento visual daquilo que o fonógrafo produzia como informação auricular. A primeira ideia de Edison foi criar bonecos falantes, através da incorporação do fonógrafo ao interior do corpo. Vários modelos de bonecos foram construídos, alguns inclusive em escala comercial. Mas tão logo teve conhecimento das experiências de Marey e Muybridge com a decomposição e síntese do movimento, Edison percebeu que poderia registrar fotograficamente imagens animadas que seriam imediatamente sincronizadas ao som gravado no fonógrafo. “Em 1887 – escreveu Edison – ocorreu-me a ideia de que seria possível construir um instrumento capaz de fazer para o olho o que o fonógrafo faz para os ouvidos e que, através de uma combinação dos dois, o som e a imagem em movimento poderiam ser registrados e reproduzidos simultaneamente“.

Atentemos ao fato muito significativo de que a aventura de Edison na direção da cinematografia se dá como consequência lógica da invenção do fonógrafo e da resolução do problema do registro do som. A imagem em movimento é vista, desde o início, como um complemento necessário do som. Muito sintomaticamente, o primeiro dispositivo de registro áudio-visual imaginado por Edison (mais exatamente por seu especialista em fotografia, William Dickson) consistia numa adaptação de seu próprio fonógrafo: uma emulsão fotográfica era aplicada à superfície do mesmo cilindro rotativo que Edison usava para registrar o som, de modo a permitir imprimir alguns milhares de clichês fotográficos microscópicos e sucessivos, que circulavam o cilindro em espiral e paralelamente aos sulcos de som. O método era tortuoso e logo Edison se deu conta de que ele não poderia render qualquer resultado prático. Logo se lhe afigurou que a utilização de uma longa cinta de negativo fotográfico de 35 mm seria uma opção mais inteligente, mas, ainda assim, os primeiros registros mantinham o cilindro rotativo, ao redor do qual o celulóide era enrolado.

A insistência em partir do modelo do fonógrafo demonstra que, para Edison, o cinema surgia como uma espécie de “fonógrafo óptico” (um quinetofone, como ele chega a denominar em algumas circunstâncias) e que, mais do que resolver o problema da representação da imagem em movimento, o que estava em sua mira era “aperfeiçoar” o fonógrafo com a complementação “necessária” da imagem que produz o som. Desde o início, portanto, o que estava no horizonte da equipe de Edison era já o cinema sonoro. Por volta de 1891, observando as outras tentativas que se processavam nos E.U.A. (Muybridge) e na França (Marey), Edison percebe que o caminho estava errado e que a alternativa mais viável era registrar em dispositivos separados o som e a imagem em movimento e, a partir daí, tentar resolver de alguma maneira o problema da sincronização entre os dois.

Em 1895, o quinetoscópio comercializado por Edison difere dos outros modelos de cinema experimentados pelos demais inventores, não apenas pelo estilo peepshow do aparelho, concebido para recepção em escala individual, mas também por ser o único modelo sonoro, já que todas as outras alternativas eram mudas (mais à frente veremos que “mudas” eram as tecnologias, não o cinema). O processo está longe de ocorrer sem problemas: a sincronização se perde muito facilmente, os arcos voltaicos usados na iluminação produzem uma incômoda vibração que o fonógrafo registra implacavelmente, o volume de som é baixo e os ruídos do aparelho projetor se sobrepõem com facilidade às falas e músicas gravadas. Estava claro que o dispositivo era tecnologicamente imperfeito. Edison envidará todos os esforços para aperfeiçoar seu aparato áudio-visual, mas vai levar ainda mais dez anos até conseguir um resultado satisfatório. Em 1913, ele apresenta publicamente sua última versão do quinetofone, já agora incorporando um modelo rudimentar de amplificador e um complicadíssimo sistema de sincronização (que exigia inclusive funcionário especializado para operar), mas a indústria cinematográfica já estava farta de experiências frustrantes com o som e não lhe dá o crédito necessário para explorar o invento em escala comercial.