As várias correntes de vanguarda do começo do século se caracterizam, antes de qualquer outra coisa, pela atitude mais ou menos positiva com relação à vida e às perspectivas de futuro. De uma forma geral, a vanguarda olha para a frente e não para trás, ela acredita no progresso que se pode alcançar através da permanente mudança e procura manter uma atitude sempre otimista com respeito à evolução da cultura do homem. Assim, a vanguarda italiana canta a beleza dos grandes centros urbanos, dos automóveis, da indústria pesada, da velocidade e das comunicações por ondas eletromagnéticas. A vanguarda francesa, por sua vez, celebra as grandes descobertas científicas do começo do século: o inconsciente, a relatividade, a inter-relação espaço-tempo, a tensão entre acaso e necessidade e as coloca a serviço da revolução permanente. Já a vanguarda soviética engaja-se resolutamente no processo político de construção de um novo modelo de sociedade, baseado na coletivização e na igualdade. Mas há uma única corrente, dentro dos movimentos vanguardistas do começo do século, que vai navegar na contramão, que vai assumir uma atitude apocalíptica ou catastrófica com relação à evolução da humanidade, que vai pintar a mais negra perspectiva do futuro e, ao mesmo tempo, propor uma volta aos mitos e ritos dos primórdios: o expressionismo alemão.
Naturalmente, é preciso considerar que a Alemanha teve uma longa tradição romântica, de que nunca conseguiu se desvencilhar inteiramente. Em finais do século XVIII, surgia na Alemanha um movimento artístico conhecido como Sturm und Drang (Tempestade e Ímpeto), que, reagindo contra todas as formas de racionalismo, propunha um retorno ao lado mais obscuro do homem e às suas inquietações mais sombrias. O romantismo alemão, que surge com toda força na virada do século XVIII para o XIX, como consequência direta do grupo Sturm, explora o individualismo exacerbado, a subjetividade angustiada, o lado trágico da vida e a nostalgia do mítico e do selvagem. Contra todas as formas de cientificidade, ele vai optar radicalmente pelo misticismo visionário e explorar, com todas as consequências, o seu gosto pelo fantástico. O expressionismo alemão dá continuidade a essa corrente atormentada dentro da cultura alemã, ao mesmo tempo em que a atualiza, lançando mão de distorções, desproporções e desarmonia na composição das formas, fazendo dissolver as paisagens num cromatismo carregado e sombrio, como forma de melhor exprimir o trágico da condição humana.
Como todas as demais correntes de vanguarda do começo do século, o expressionismo surge primeiro nas letras, música e artes plásticas, antes de ser assimilado pelo cinema. Na pintura, particularmente, o expressionismo caracterizava-se pelo retorno a modelos de representação primitivos ou medievais, pelo estilo pesado e violento das pinceladas, pela deformação das figuras e uso irrealista das cores. Há um quadro muito conhecido de Edvard Munch – O Grito (1893) – que mostra um homem estilizado numa ponte gritando aterrorizado diante de alguma forma de terror abstrato enquanto o rosto e a paisagem do fundo derramam-se em manchas de cores fortes, que exprimem toda a angústia interior do personagem. Na poesia, o expressionismo liberou os versos da camisa-de-força da métrica, da rima e das ligações sintáticas, para poder melhor exprimir o patético e a exacerbação das paixões, conforme se pode constatar, por exemplo, na obra de Georg Trakl. O expressionismo perverteu ainda um gênero tão sofisticado como a ópera, trazendo à cena o submundo dos cortiços, a prostituição, as expressões de baixo calão das ruas, gritos e grunhidos, como se pode ver nas peças líricas de Alban Berg.
Já se pode encontrar ecos de uma atitude expressionista num filme alemão de 1913, chamado Der Student von Prag (O Estudante de Praga), dirigido por Stellan Rye, onde se conta a história de um personagem que é perseguido pelo seu “duplo” (sua sombra ou o seu reflexo do espelho), numa paisagem vaga, marcada por um clima fantástico. Nesse filme precoce, a cidade que serve de fundo à história, totalmente reconstruída em estúdio, não tem nenhuma aparência natural. Ela surge como uma paisagem alucinante, sutilmente deformada e tenebrosa, com sombras pesadas parecendo ameaçar os personagens. Esse peso esmagador do cenário sobre os personagens será justamente uma das marcas principais do cinema expressionista, que todavia só nascerá oficialmente seis anos mais tarde.