Stachka (A Greve/1924), primeiro filme de Eisenstein, tem alguns exemplos significativos desse procedimento, como, por exemplo, a inserção de cenas de matança de bois em plena duração da sequência do esmagamento final da revolta operária, ou ainda a sequência do coquetel dos burgueses, em que o espremedor de limões permite “referir-se” ao pisoteamento dos grevistas pela cavalaria do czar. O fio narrativo dos filmes mudos de Eisenstein é apenas um eixo de referências, do qual o autor sempre salta para fazer comentários extra-narrativos.
Em Oktiabr (Outubro/1927), a fragmentação da narrativa histórica para nela inserir comentários visuais assume tais proporções que não se admite concessões às normas clássicas de continuidade: a bandeira cristã do general ultra-direitista Kornílov é desmistificada pela inclusão de uma sequência de estátuas de deuses de barro; a ascensão inútil de Kerênski ao poder, logo depois da derrubada da monarquia na Rússia, é parodiada com a repetição ad infinitum do mesmo plano do ditador subindo as escadarias do palácio; o golpe direitista para derrubar o governo provisório e reconduzir o czar ao poder é “comentado” pela reconstituição (graças à montagem invertida) da estátua do czar Alexandre III, que se refaz a partir de seus pedaços.
Nós não podemos traçar aqui senão um quadro bastante incompleto da contribuição de Eisenstein ao questionamento do modo de representação estabelecido. Podemos dizer, por exemplo, que para o autor de Stachka, um plano não é jamais um “tijolo”, ou seja, uma unidade elementar de sentido: ele é o ponto de tensão onde estão combinados todos os elementos áudio-visuais que concorrem para a construção do filme: a iluminação, o gesto do ator, a direção dos movimentos, a contraposição de volumes na superfície e na profundidade da cena e, mais tarde, também o som. Cada plano de um filme de Eisenstein é uma complexa unidade de sentido, com toda a densidade significante da pintura, e pressupõe já uma “montagem” dos elementos dentro do quadro.
Mas é no ataque à linearidade das regras de continuidade que Eisenstein apresenta a sua mais estimulante proposta de ruptura, visto que, nesse terreno, ele empenha-se em fundar uma verdadeira dialética da combinação dos planos. Ao contrário do princípio da linearização, que pressupõe uma progressão linear de um plano a outro, o cineasta combina seus planos segundo o princípio da contradição, ou seja, a partir do choque de valores formais opostos, tanto entre dois planos sucessivos, quanto no interior de um mesmo plano. Montagem, para ele, era desencadeamento de conflitos (isso, para ele, era uma maneira de traduzir a dialética para o cinema). No Bronenosets Potiomkin (O Encouraçado Potemkin/ 1925), quando os manifestantes de Odessa saem para as ruas em solidariedade aos marinheiros amotinados, Eisenstein muda continuamente a direção dos movimentos, para inverter o fluxo da multidão ora para um lado, ora para outro. Como resultado, a massa de manifestantes caminha para várias direções diferentes ao mesmo tempo, muito embora, do ponto de vista da narrativa, ela estaria se dirigindo para o mesmo ponto: ao encouraçado. Na sequência dos barcos que levam mantimentos aos amotinados do Potemkin, a montagem efetua um estonteante conflito de direções: ora os barcos navegam da esquerda para a direita, ora no sentido contrário e ora ainda para várias direções ao mesmo tempo. Esse conflito de direções é tanto mais desconcertante quando sabemos que todos os barcos estavam se dirigindo para o Potemkin. Ocorre que Eisenstein não estava interessado na lógica de verossimilhança dos eventos, mas sim em privilegiar a todo momento uma multiplicidade de pontos de vista, que constitui o eixo central de sua interpretação da revolução de 1905. Ao mesmo tempo, essa estratégia tem o privilégio de revelar o fato de que o filme é feito de fragmentos de montagem e que não é por natureza, mas por artifício, que a decupagem clássica produz um efeito de continuidade.
Poderíamos dizer, portanto, que Eisenstein é o primeiro cineasta a ser bem sucedido na relativização de certas normas da representação clássica, tal como Griffith as sistematizou. A sua “dialetização” das regras de continuidade e de todas as outras estratégias ilusionistas conduz à rejeição do sistema representativo que impõe ao espectador uma visão linear da ação. A meta de Eisenstein era tornar visível o trabalho de produção de sentidos que se realiza no cinema, para que o ato de assistir ao filme não fosse encarado como algo passivo e ingênuo. Entretanto, Eisenstein nunca pretendeu realizar uma reinvenção radical do cinema. A despeito de suas disputas, ele dividia com Pudóvkin e Kulechov a convicção de que a “linguagem” a que o nome de Griffith estava associado correspondia a uma base necessária de toda cinematografia. Em outras palavras, o cineasta que se propôs, com maior convicção, a reavaliar criticamente os recursos expressivos do cinema, para colocá-los a serviço do materialismo histórico e dialético, não rompe inteiramente com as formas básicas do cinema aperfeiçoado por Griffith. Esse será o ponto principal das disputas entre Eisenstein e Dziga Vertov.