7. A vanguarda soviética pag. 41

Coube a um mestre ucraniano, Aleksandr Dovjenko, colocar essa contradição de Pudóvkin a trabalhar, assumindo-a como tal e demonstrando que era possível construir, com a espacialidade clássica, um espaço narrativo ambíguo e incerto. Na sequência de abertura de seu Zemliá (A Terra/1930), por exemplo, vemos um velho morrendo e conversando com amigos e parentes sentados ou de pé ao redor dele. Mas será que, naquela ocasião, eles estavam realmente ao redor do velho? Algumas tomadas parecem envolver um tipo de relacionamento que nada tem a ver com a continuidade ordinária.

Zemliá (A Terra/1930)

Os personagens nunca são vistos juntos numa mesma tomada, em plano geral; eles estão relacionados entre si apenas pelos jogos de olhares (mas sem formar nenhum conjunto de campo/contracampo). Uma leitura dessa sequência mostra toda uma série de discrepâncias que torna impossível uma assimilação do espaço narrativo ao sistema de orientações tradicionais. O jogo convencional do campo/contracampo encontra-se aqui parcialmente subvertido: no lugar em que a orientação do olhar do velho deveria situar este ou aquele personagem, encontramos agora um outro; em um momento posterior, o personagem “olhado” por aquele mostrado no plano anterior aparece tomado num ângulo “impossível” em relação ao ponto de vista deste. Essa sequência de abertura oferece apenas uma das várias estratégias empregadas por Dovjenko. Com frequência, aparecem na tela certas tomadas ligadas a um espaço-tempo mais simbólico do que narrativo, embora continuem, apesar de tudo, a manter ligações com este último: é o caso dos planos indicando a passagem das estações do ano, da sequência quase simbólica da noite dos amantes, ou ainda das tomadas de uma jovem posando perto de um girassol. É através de tais ambiguidades, tais ataques à integridade da narrativa pela introdução de um discurso metafórico, que Dovjenko chega próximo da importante aventura intelectual de Serguei Eisenstein.

Zemliá (A Terra/1930)

Esse é justamente o ponto de ruptura: a irrupção da metáfora como elemento desarticulador da continuidade transparente da narrativa. Na verdade, esse procedimento é uma espécie de marca registrada do cinema soviético e podemos encontrá-lo em quase todas as obras do período. Mas foi Eisenstein quem assumiu da forma mais consequente a intervenção expressiva da metáfora. Com muita frequência, ele interrompe o fluxo “natural” dos acontecimentos e introduz na narrativa elementos não pertencentes ao espaço da ação, rompendo abertamente com as leis da continuidade.