Descendente do grupo de Kulechov, Vsevolod Pudóvkin foi o seguidor mais fiel – e também o mais ambicioso – de seu mestre. Pudóvkin empenhou-se durante toda sua vida para estender as possibilidades do sistema de representação sistematizado por Griffith, mantendo entretanto os seus princípios essenciais. Inegavelmente, esse empreendimento enriqueceu a filmografia soviética com alguns de seus filmes mais memoráveis, como Matka (A Mãe/1926), Koniéts Sankt-Peterburga (O Fim de São Petersburgo/1927) e Potomok Chingis-Khan (Tempestade sobre a Ásia/1928), mas certamente não estava livre de contradições. Mas, como observou certeiramente o crítico Noel Burch, a diferença em relação ao seu mestre é que, com Pudóvkin, essas contradições são levadas ao seu mais alto grau de elaboração.
Pudóvkin procurou, como já dissemos, levar às últimas consequências o processo histórico de linearização praticado na indústria cinematográfica do mundo capitalista. Para ele, cada plano era considerado um “tijolo”, ou seja, a célula de base, o signo elementar de que o filme era composto. Basicamente, a sua estratégia consistia em desmembrar uma ação em seus constituintes elementares, cuidadosamente diferenciados, e dispô-los numa cadeia linear simples. Tomemos uma das sequências iniciais de Matka para ver como isso se dá. O pai do herói chega em casa bêbado e tenta retirar o relógio da parede para trocá-lo por bebida. Impedido pelo filho e pela esposa, segue-se um conflito, de que resulta a quebra do relógio. Essa cena é uma perfeita ilustração do método de Pudóvkin. Ela se compõe de uma série de fragmentos bastante curtos tanto na duração quanto no recorte, primeiros planos de sentido inequívoco que, malgrado respeitando a continuidade da ação e resolvendo-a de forma satisfatória, conduzem a uma verdadeira decomposição analítica dos acontecimentos. Uma face aparece tensa, um braço é erguido com um martelo, uma engrenagem rola no chão. O quarto onde se passa a ação não é dado a ver como um todo uma única vez sequer para que o espectador possa percorrê-lo com o olhar. Pelo contrário, o objetivo do cineasta é dominar o “fluir” dos acontecimentos da forma mais rigorosa possível.
Ora, o plano de detalhe ou close up como se chama em linguagem técnica, enquanto integrado no discurso fílmico pela geração de Griffith, extraiu grande parte de sua significação das tomadas abertas que o precediam e de que ele era, num certo sentido, um extrato. Foi através dessa alternação de planos gerais e primeiros planos que o cinema clássico pôde extrair sua produtividade máxima. Pudóvkin, entretanto, embriagado com as possibilidades reveladas pelo novo edifício das técnicas da continuidade, tentou reconstruir o espaço da intriga através unicamente da apresentação de seus detalhes. Assim fazendo, ele dirigiu seu trabalho na direção contrária do sistema que ele estava tentando desenvolver, uma vez que em muitas sequências de seus filmes do período mudo, o espaço da ação é reduzido a uma abstração. A inclinação analítica de Pudóvkin, seu intuito de fazer de cada plano um “tijolo” tão elementar quanto possível na cadeia narrativa, para poder controlá-la da maneira mais segura, tudo isso leva-o a debilitar o poder de sugerir verossimilhança. Mas essa verossimilhança era a condição fundante de seu sistema e todo seu esforço pressupunha a sua obtenção. Desejando levar às últimas consequências a lógica da linearização, Pudóvkin obteve como resultado um efeito “dissociativo” involuntário. A desintegração da unidade cênica era o preço que ele pagava pela incrementação dos recursos significantes do cinema, ou dito em outros termos, pelo maior controle na produção de sentidos. Essa é a contradição fundamental de seu cinema: quanto mais ele “aperfeiçoa” os códigos narrativos dominantes, mais deles se afasta por lhe faltar justamente as motivações ideológicas de que esses códigos são a expressão. Daí o desconforto que esse cinema proporciona ao espectador viciado na linearidade do cinema convencional: a excessiva radicalidade do processo de fragmentação da narrativa acaba por comprometer a continuidade espaço-temporal, essa garantia de verossimilhança fílmica e do efeito realista do cinema.