Menos otimistas do que Kulechov, seus seguidores e discípulos, entretanto, optaram pelo pastiche dos gêneros do cinema americano, com a intenção óbvia de desmascarar as convenções narrativas que subjazem nas suas aparentemente inocentes peripécias. Mas é na obra de uma dupla de realizadores oriunda do teatro futurista – Grigori Kozintzev e Leonid Trauberg – que vamos encontrar uma exploração mais sistemática desse procedimento. Esses autores criaram, no começo dos anos 20, um grupo denominado A Fábrica do Ator Excêntrico (FEKS), que tinha como objetivo quebrar os automatismos da representação usual com um estilo de encenação “excêntrico”. Basicamente, a atitude desse grupo consistia em levar ao exagero as regras, os cânones, as convenções do sistema de linearização, como forma de parodiá-lo. Em filmes como Pokhozdeniia Oktiabrini (As Aventuras de Oktubrina/1924), Chinel (O Capote/1926), S.V.D. (1927) e Novii Vavilon (A Nova Babilônia/1929), o FEKS buscou solapar o efeito de verossimilhança da narrativa mais convencional através de técnicas de “estranhamento”, tais como a composição estilizada, os cenários pintados de forma abstrata e máscaras de sombras recortando os rostos dos atores.
O conceito de “estranhamento”, muito em voga nos meios intelectuais da Rússia na época, foi formulado mais claramente pelo crítico Viktor Chklóvski. Segundo essa concepção, as formas dominantes de representação, aquelas a que a maioria dos realizadores recorre para construir as suas obras num determinado período, são o resultado de uma lenta estratificação ideológica. Essas formas se fixam na consciência das pessoas com tal profundidade, produzindo automatismos de leitura tão poderosos, que acabam por se impor como os recursos “naturais” de representação, os únicos recursos universais e decodificáveis por todos. Para combater essa dominação invisível, Chklóvski defendia um conjunto de procedimentos cuja função seria perturbar as nossas percepções rotineiras e forçar a sensibilidade a “estranhar” as formas que lhe são apresentadas. O discurso difícil e tortuoso, o ponto de vista não familiar, a excentricidade radical deveriam portanto impedir o envolvimento inocente e denunciar a falsa “naturalidade” dos modos convencionais de construção. Essa vai ser justamente a marca distintiva principal da vanguarda soviética dos anos 20 e que o grupo FEKS procurou levar às últimas consequências no cinema.