7. A vanguarda soviética

No momento em que todo o cinema norte-americano, já então concentrado em Hollywood, se lança à tarefa de retirar todas as consequências do processo de linearização aperfeiçoado por Griffith, para lhe dar justamente uma forma industrial, uma outra escola de realizadores via diferentemente a questão do futuro do cinema. Estamos nos referindo à escola soviética dos anos 20, que procurou traçar para o cinema um desenvolvimento autônomo. O lugar e o momento em que ela surgiu eram particularmente privilegiados: de um lado, havia a conjuntura política favorável ao questionamento da velha ordem burguesa (a Revolução Russa havia acontecido em 1917) e, de outro lado, o sistema de representação experimentado nos estúdios do ocidente não estava inteiramente consolidado, de modo que a sua hegemonia podia ser ainda contestada. Essa circunstância dupla possibilitou aos cineastas soviéticos apontarem, cada um à sua maneira, para uma outra via criativa, que era também a alternativa ideológica ao modelo narrativo imposto pelas indústrias cinematográficas majoritárias.

Antes de mais nada, é preciso considerar que o sistema de linearização narrativa praticado no ocidente foi estudado com atenção na jovem Rússia revolucionária. lntolerance, por exemplo, foi visto até a exaustão pelos cineastas soviéticos e se tornou um ponto de referência obrigatório da vanguarda russa dos anos 20. Necessário é observar ainda que a primeira geração a estudar seriamente a nascente “linguagem” do cinema foi justamente a dos realizadores russos, que produziu uma grande quantidade de livros sobre o assunto. Os americanos experimentavam o novo meio de uma forma mais ou menos intuitiva. Eles estavam tão envolvidos com as suas demandas produtivas que não tinham o distanciamento necessário para transformar o seu fazer em objeto de investigação. Os russos, entretanto, permaneciam distanciados tanto estética quanto economicamente desses constrangimentos produtivos e podiam, por essa razão, perceber com maior clareza o modo de funcionamento expressivo do novo meio.

Lev Kulechov foi o primeiro desses grandes teorizadores e praticamente o pai espiritual de toda a geração dos cineastas bolcheviques. Realizou uma série de experimentos com o sistema de linearização narrativa que se tornaram célebres, pois constituíram a sua primeira formulação científica. O experimento mais famoso é justamente aquele que acabou levando o seu nome: o efeito Kulechov. Ele consistiu na justaposição de um primeiro plano do ator Ivan Mozjukhin a três outros planos separadamente: um prato de sopa, uma mulher morta num caixão e uma criança brincando com seu ursinho de pelúcia. Na primeira associação, os espectadores percebiam uma expressão de fome no rosto de Mozjukhin; na segunda, uma expressão de tristeza; e na terceira, uma expressão de felicidade. Ou seja, a simples justaposição de dois planos acrescentava um sentido que não estava necessariamente nas imagens isoladas, mas nascia do inter-relacionamento das imagens através da montagem.

Efeito Kulechov – Lev Kulechov

Entretanto, o interesse maior que Kulechov depositava nos códigos da indústria cinematográfica capitalista estava ligado à atração que esses códigos exerciam sobre a massa de espectadores. As populações urbanas – raciocinava o cineasta – já estavam demasiado familiarizadas com o modelo griffithiano de representação e era óbvio que para atingi-las era preciso dominar teórica e praticamente esse sistema. Ao apropriar-se dos códigos dominantes, Kulechov acreditava estar avançando na luta ideológica, por fazer o modo dominante de representação agir contra si próprio, preenchendo-o de conteúdos revolucionários. O próprio cineasta procurou concretizar essa posição numa comédia de costumes como Neobichainiie Priklucheniia Mistera Vesta v Stranie Bolshevikov (As Extraordinárias Aventuras de Mr. West na Terra dos Bolcheviques/1924), num filme de espionagem como Luch Smerti (O Raio da Morte/1925), e num drama moral à moda griffithiana como Po Zakonu (Dura Lex/1926).

Neobichainiie Priklucheniia Mistera Vesta v Stranie Bolshevikov (As Extraordinárias Aventuras de Mr. West na Terra dos Bolcheviques/1924)
Luch Smerti (O Raio da Morte/1925)
Po Zakonu (Dura Lex/1926)