A outra modalidade dos filmes de vanguarda, que concorria com os filmes absolutos e em muitos casos até se opunha a eles, poderia ser caracterizada como os filmes anti-burgueses. Não podemos nos esquecer de que, na década de 20, o mundo ainda estava sob o impacto da Revolução Russa de 1917, que implantou pela primeira vez um regime comunista em todo um país. Os intelectuais e artistas, de uma forma geral, eram bastante simpáticos à causa dos bolcheviques russos (com exceção apenas dos futuristas italianos) e vão deixar transparecer em suas obras uma violenta crítica à sociedade burguesa do período. Os dadaístas, particularmente, vão ser os principais representantes dessa tendência no cinema. Dada (a palavra não significa nada; foi escolhida ao acaso num livro) era o nome que se dava na época ao grupo mais radical e mais anárquico dentre todos os vanguardistas do período.
O primeiro filme importante do grupo aparece já em 1924 – Entr’acte, dirigido por René Clair, com roteiro de Francis Picabia e trilha sonora composta (à parte) por Erik Satie, todos do movimento dadaísta. O nome do filme – “Entreato” – se justifica pelo fato dele ter sido concebido originalmente para ser projetado entre as duas partes do escandaloso balé dadaísta Relâche, concebido pelo próprio Picabia. As imagens do filme vão se sucedendo sem qualquer lógica, como se tivessem sido escolhidas ao acaso: Marcel Duchamp e Man Ray jogando xadrez; Erik Satie e Francis Picabia fazendo explodir um canhão sobre a cidade de Paris; um funeral tresloucado, em que a charrete com o caixão despenca ladeira abaixo, fazendo a massa de acompanhantes sair correndo atrás, cada vez mais frenéticos e acelerados; os movimentos de uma bailarina; cabeças de balões infláveis soltas no ar; um franco atirador nas ruas, um passeio na montanha russa e assim por diante, tudo isso filmado dos mais insólitos ângulos de visão (a bailarina, por exemplo, é filmada a partir da perspectiva da planta dos pés), nas mais variadas velocidades (a cena do canhão é filmada em câmera lenta e o funeral em câmera acelerada), com a câmera fazendo muitas vezes panorâmicas tão rápidas que as imagens se reduzem a manchas disformes na tela. Os planos são muitas vezes agressivos e propositalmente desprazerosos. A bailarina, apesar do belo corpo feminino, tem barba e bigode na cara; no cortejo fúnebre, há um homem sem pernas e que também despenca ladeira abaixo com seu carrinho de rodas.
A noite de estreia do filme em Paris já foi em si um marco histórico. O público reagia com furor à provocação dadaísta, parte dele vaiando, xingando e jogando ovos podres na tela, enquanto a outra parte aplaudia furiosamente e ameaçava agredir os queixosos. Do ponto de vista dadaísta, essa reação paradoxal significava que o filme tinha atingido o seu alvo: escandalizar a modorrenta sociedade francesa e desafinar o coro dos contentes. O escândalo seria repetido novamente em Londres e Nova York, além de em outras cidades onde o filme foi exibido.