Uma vez que os homens de cinema da época vão continuar a fazer cinema segundo o modelo griffithiano, a revolução das vanguardas vai ser conduzida por gente que vem de outras áreas, em geral por artistas já consagrados no universo das artes plásticas, do teatro, da literatura ou da música. Embora alguns filmes produzidos no período dito “primitivo” já possam ser considerados filmes de vanguarda avant la lettre – como The Big Swallow (A Grande Engolida/1901) de James Williamson e boa parte da obra de Méliès -, a crítica em geral concorda que a vanguarda cinematográfica nasce oficialmente no interior do movimento futurista, com duas obras bastante prematuras realizadas na Rússia – Drama v Kabare Futuristov (Drama no Cabaré Futurista/1914) de V. P. Kasianov – e na Itália – Perfido Incanto (1916), de Anton Bragaglia. Mas é mesmo nos anos 20 que o movimento vanguardista vai explodir com toda a sua fúria e também produzir as suas obras mais importantes. De qualquer forma, é preciso considerar que as ideias vanguardistas chegam ao cinema já bastante tarde, comparativamente com o que aconteceu em outros meios, pois os anos 20 correspondem ao período de apogeu (e já o início da decadência) das ideias renovadoras que sacudiram todo o edifício das artes desde o final do século anterior.
O que queriam os cineastas de vanguarda? Em primeiro lugar, levar às últimas consequências as possibilidades estéticas do cinema, uma vez que consideravam limitados demais os horizontes apontados pelos cineastas tradicionais, inclusive Griffith. Em segundo lugar, transportar para o cinema ideias que estavam sendo aplicadas nas artes plásticas e na literatura da época, tais como não-linearidade (narrativas fragmentárias, sem ideia de começo, meio e fim), não-figuratividade (as imagens não se referem a nada reconhecível do mundo material), anamorfose (distorção das imagens), pluridimensionalidade (vários pontos de vista diferentes e simultâneos da mesma imagem), atonalidade (música composta sem obedecer a uma tonalidade dominante) etc. Finalmente, um terceiro objetivo dos cineastas de vanguarda era lograr um cinema puro, algo assim como uma natureza essencial do cinema, impossível de se conseguir em outros sistemas de expressão como o teatro, a pintura, a literatura ou a ópera. Na prática, porém, os vários tipos de cinemas de vanguarda que foram experimentados se caracterizavam mesmo pela vontade irresistível de produzir escândalo e de provocar a velha sociedade burguesa. Eles produziram um ataque implacável a tudo o que se referia à tradição, já que o objetivo maior era produzir o novo a qualquer preço. No que se refere aos processos narrativos, os filmes produzidos pela vanguarda se caracterizavam pela ausência de uma intriga, de uma “história” que pudesse ser “contada” como uma sucessão de eventos logicamente amarrados entre si, preferindo mais frequentemente as divagações poéticas e as ligações erráticas. Nessa época (anos 20), as ideias de Freud sobre o inconsciente e seu caótico fluxo de imagens já estavam bem divulgadas. Alguns escritores – como Dujardin, Joyce e os surrealistas – já as transformavam em forma narrativa, através de técnicas tais como a anotação do fluxo da consciência, ou a escrita automática (escrever o que vier à cabeça, sem qualquer ordenação ou coerência). No cinema, essas técnicas vão tomar a forma de sequências irracionais de planos, como se elas representassem uma manifestação direta do inconsciente.
Antes de avançar, é preciso observar que havia basicamente dois tipos principais de filmes de vanguarda. Em primeiro lugar, havia os chamados filmes absolutos, filmes de natureza mais abstrata, sem história, sem personagens, sem figuras reconhecíveis e constituídos em geral de formas mutantes, riscos compondo grafismos nervosos, manchas de cores da mais variada espécie, em geral desenhadas à mão quadro a quadro, como na técnica do desenho animado, e acompanhadas por uma performance musical ao vivo. Em 1922, o alemão Walther Ruttmann fez Opus 1, um dos mais remotos exemplos de filme absoluto e que consistia numa série de formas geométricas (coloridas à mão) que dançavam na tela segundo diferentes ritmos e coreografias, acompanhando uma partitura musical escrita por Max Butting (e que devia ser executada ao vivo durante a projeção do filme).
Mais ou menos na mesma época, o dadaísta Marcel Duchamp realizou na França o célebre Anémic Cinéma (note que anémic é quase a palavra cinéma ao contrário), uma série de espirais cujas circunferências internas executam os mais variados movimentos e configurações visuais.
E ainda em 1925, o sueco Viking Eggeling realizou na Alemanha a obra mais famosa do gênero: a Symphonie Diagonale, uma série de formas geométricas semelhantes às figuras abstratas de Kandinsky e que descrevem na tela trajetórias rigorosamente calculadas.