6. O cinema de vanguarda

Considera-se que, a partir de Griffith, o processo de linearização narrativa se consuma e o essencial da linguagem narrativa clássica do cinema já está consolidado. Há mesmo muitos críticos que defendem o ponto de vista de que, depois de Griffith, nada mais aconteceu de importante no cinema, em termos de constituição de uma linguagem narrativa clássica. Ou seja: ainda hoje, quando vamos ao cinema para ver um filme comum, é o modelo de Griffith que continua ditando o que deve acontecer na tela. A quebra dessa hegemonia aconteceu apenas esporadicamente, em alguns movimentos de contestação do modelo clássico e, mesmo assim, em circuitos alternativos ou underground, dedicados a plateias mais sofisticadas. O primeiro desses movimentos a contestar abertamente o processo griffithiano e todo o modelo de linearização narrativa implantado sobretudo em Hollywood, a partir dos anos 20, foi o chamado cinema de vanguarda.

Em primeiro lugar, é preciso esclarecer que vanguarda é um termo já em franca circulação na Europa dos anos 20. Ele designava um movimento de renovação das artes em geral (o termo “vanguarda” quer dizer: aqueles que estão à frente e que desbravam terrenos novos), que começa com os primeiros gestos de rebeldia contra os cânones clássicos, já no final do século XIX, e explode com toda força no começo do século XX, através dos inúmeros movimentos contestadores das formas tradicionais de pintar, esculpir, escrever ou compor, conhecidos por nomes exóticos, tais como impressionismo, cubismo, futurismo, construtivismo, expressionismo, abstracionismo, dadaísmo, dodecafonismo e uma centena de outros. É surpreendente que o cinema tenha atravessado toda a virada do século e chegado até o final da década de 10 ignorando quase que inteiramente toda essa efervescência no plano criativo. A única explicação plausível para esse fato é a de que o cinema, até então, não era ainda conhecido socialmente como uma expressão artística, mas como um forma de entretenimento para as massas.

Durante os anos 10, muitos intelectuais e artistas vão começar a se perguntar se o cinema não podia também ser incorporado ao universo das artes. Nesse período, Griffith já colocava em circulação suas obras máximas, como Birth of a Nation e lntolerance, e fazia despertar a atenção de gente que até então nunca tinha pensado em atribuir ao cinema um papel mais pretensioso do que simplesmente divertir as massas. Nessa época, começam a nascer os primeiros clubes de cinema, que eram frequentados principalmente por gente educada em universidades, gente formadora de opinião, tais como jornalistas, escritores e artistas conhecidos nos meios mais sofisticados. O Clube de Cinema de Paris, por exemplo, fundado pelo crítico Roberto Canudo, reunia a mais fina flor das artes de vanguarda do período, tais como Picasso, Stravinsky, Apollinaire, Leger, Ravel, Marinetti e tantos outros. Essa gente toda introduz na cena intelectual da época uma discussão inflamada sobre o imenso potencial expressivo do cinematógrafo, que estaria sendo subutilizado em razão da redução de toda a tecnologia cinematográfica a um simples dispositivo para “contar” historinhas linearizadas. Os futuristas italianos, particularmente, publicam vários manifestos sobre o cinema, onde imaginam obras absolutamente modernas construídas com a tecnologia do cinema, obras capazes de dar conta da velocidade do mundo urbano, da pulsação frenética dos luminosos noturnos, do burburinho vertiginoso das massas humanas nas ruas, da paisagem dura e mecânica das fábricas, do mundo mutante e abismal que se podia ver do alto de um arranha-céu ou do interior de um veículo em movimento. Faltava apenas transformar em ato o que já fermentava na imaginação dos artistas.