As primeiras imagens cinematográficas, no sentido atual do termo, não foram as do cinematógrafo dos irmãos Lumière, mas as do mutoscópio e do quinetoscópio, ou seja, imagens concebidas para a visualização privada, imagens, portanto, destinadas a serem “espiadas” através de visores individuais. Não por acaso, os temas, os motivos da maioria dos filmes produzidos para essas formas individuais de cinema evocam inevitavelmente a escopofilia, ou seja o erotismo do olhar, o desejo embutido no ato de ver: a dança em estilo borboleta de Annabelle, a dança do ventre de Fátima, a dança da paixão de Dolorita, o beijo de May lrwin e John C. Rice, a mulher nua que surge como uma pérola de dentro de um concha, garotas em trajes de dormir brincando de guerra de travesseiros e também, se preferirmos um exemplo masculino, as demonstrações de musculatura do halterofilista Eugene Sandow.
O cinema foi concebido, desde suas origens, como um lugar (em geral escuro) onde se pode espiar o outro, onde a pulsão do olhar encontra um terreno propício para manifestação. O “pecado original” do voyeurismo está na base do próprio dispositivo técnico do cinema, está nas máquinas de espiar através de buracos, fendas (fenaquisticópio, zootrópio), ou através de visores (mutoscópio, quinetoscópio), está nas salas escuras, cavernas e peepshows, onde se pode refugiar para ver sem ser visto.
Curioso é que essa situação digamos assim “inaugural” do cinema acabou por contaminar os próprios filmes e resultou também num dos “gêneros” mais importantes dos primeiros tempos: o filme de “buraco de fechadura” ou, para usar um termo mais genérico, o filme de voyeurismo. Nos dez ou quinze primeiros anos do cinema, uma quantidade incalculável de filmes foi produzida focalizando voyeurs e sua atividade indiscreta. No primeiro deles, As Seen through a Telescope (Conforme Visto pelo Telescópio/1900), creditado a Smith, um velho espia através de um telescópio um casal de namorados, justamente no momento em que o homem acomoda os sapatos nos pés da mulher e o vestido desta última se levanta ligeiramente. Ce que l’on Voit de Mon Sixième (O que se Vê do Meu Sexto Andar/1901) mostra um homem, à janela de seu apartamento, espiando os vizinhos com sua luneta e flagrando uma mulher em pleno ato de se despir. Tais como esses, uma grande quantidade de outros filmes mostram uma pessoa (geralmente um serviçal burlesco) percorrendo os corredores de um prédio ou de uma casa de banhos e aproveitando para espiar pelos buracos das fechaduras a intimidade dos condôminos ou dos banhistas.