Há um movimento, no interior do primeiro cinema, que conduz lentamente o espectador cinematográfico na direção de uma assimilação do plano aproximado como recurso expressivo. Vimos como o dispositivo de ampliação (lupa, luneta, microscópio) se generaliza e contamina todo e qualquer instrumento de visualização (buraco de fechadura, fresta) que possa justificar a aproximação da câmera e a inserção do primeiro plano. O grande desafio será passar de um plano aberto a um plano fechado e de uma tomada objetiva a uma tomada subjetiva sem a justificativa do dispositivo de ampliação, através de um corte seco. O processo que leva à assimilação do primeiro plano e da tomada subjetiva dentro da sequência fílmica será lento, contraditório, mas suficientemente firme para que já possa estar consolidado em 1915. Uma das abordagens mais antigas e mais inteligentes do problema aparece num filme de Hepworth de 1905, The Inquisitive Boots (O Engraxate Curioso). A situação é mais ou menos similar à de A Search for Evidence e à da maioria dos filmes de buraco de fechadura: um empregado indiscreto percorre os corredores do hotel onde trabalha para devolver os sapatos engraxados e aproveita para espiar pelos buracos de fechadura, descobrindo situações insólitas, como um homem travestido de mulher, outro que tenta decepar com um serrote um dedo do pé aparentemente machucado, uma mulher que embala um cão num berço como se fosse um bebê e assim por diante. A novidade aqui é a evolução da estrutura básica do filme voyeurista. O filme começa como todos os outros, intercalando tomadas mais abertas do camareiro espiando pelos buracos de fechadura e tomadas mais fechadas da cena visualizada, enquadrada sob uma máscara negra simulando a fechadura. No entanto, a máscara negra só aparece nos três primeiros pares de tomadas e é eliminada a partir do quarto. Hepworth provavelmente percebeu que seria redundante continuar a repetir o mesmo procedimento até o final do filme. Uma vez que o espectador já tinha percebido que a tomada mais aproximada correspondia a uma “subjetiva” do camareiro, o cineasta salta direto do plano de conjunto ao primeiro plano aproximado, sem a justificativa da máscara negra. Estava claro que o espectador já era capaz de ler o primeiro plano como tomada aproximada e subjetiva pelo próprio contexto do filme, sem necessidade de uma marca para designá-lo como tal.
A partir de 1903, vamos encontrar vários filmes que já eliminam inteiramente a máscara indicadora de visão subjetiva. Em Un Coupe d’Oeil par Étage (Uma Bisbilhotada por Andar/1904), por exemplo, um zelador percorre todos os andares de um prédio para distribuir a correspondência recebida dos correios, mas aproveita a ocasião para espiar pelo buraco de fechadura de cada apartamento visitado. Aqui, a passagem do plano geral objetivo ao plano aproximado subjetivo é direta, sem a intervenção da máscara negra simulando o contorno do buraco da fechadura. O realizador (desconhecido) deve ter percebido que o público dos vaudevilles já conhecia suficientes filmes de buraco de fechadura para saber decodificar o par de tomadas objetiva/subjetiva e não era mais necessário continuar a reproduzir o índice (máscara) indicativo do ponto de vista do personagem.
De um lado, há, portanto, um movimento que conduz na direção de uma sucessiva (embora não linear) absorção do primeiro plano e da visão subjetiva no cinema e esse movimento será decisivo na codificação dos tamanhos relativos dos planos e na superação do ponto de vista do cavalheiro da plateia por um ponto de vista móvel, mais adequado ao modo cinematográfico de agenciamento dos planos. De outro lado, porém, persistem nos filmes voyeuristas características marcadamente emblemáticas do cinema dos primeiros tempos, como a frontalidade, a interpelação direta do espectador pelo ator, a imobilidade da câmera, a repetição constante dos mesmos enquadramentos e a inexistência de ligações entre as várias cenas miradas (às vezes, as cenas vistas a partir do buraco da fechadura são tiradas de outros filmes). Ademais, a representação do ponto de vista nos filmes voyeuristas não tem ainda a função de frisar um conhecimento ou uma situação psicológica do personagem, não está a serviço de uma narração, mas constitui uma atração em si, uma satisfação direta do desejo de espiar do espectador. E mais: essas transições não são feitas, nesse primeiro momento, com continuidade, ou seja, o movimento visto no plano aproximado não é exatamente a continuação daquele iniciado no plano geral anterior. Não há também coincidência entre a posição do olhar que mira um objeto e a posição que a câmera assume para tomá-lo: em Un Drame dans les Airs (Um Drama nos Ares/1904), por exemplo, há contradição entre o ponto de vista do sujeito que olha a paisagem do alto de um balão e as tomadas “subjetivas” que representariam aquele olhar, captadas todavia pela câmera a partir de um ponto de vista terrestre.