Analisemos um dos primeiros filmes a utilizar o dispositivo de aumento com intenções nitidamente eróticas: As Seen through a Telescope, composto de três quadros (na verdade dois: o segundo quadro é um inserto dentro do primeiro, que foi, por sua vez, dividido em dois pedaços para dar lugar àquele). No primeiro quadro, o voyeur observa com sua luneta esse objeto erótico por excelência (estamos em 1900, não o esqueçamos) que é o tornozelo de uma mulher. No segundo quadro, nos é mostrado aquilo que o personagem vê: o detalhe do tornozelo da mulher isolado num primeiríssimo plano (para incrementar o erotismo, a mulher levanta vagarosamente o vestido) e enquadrado numa máscara circular que imita o visor da luneta. O último quadro mostra a punição clássica do voyeur: o namorado da dama se aproxima do abelhudo e lhe desfere um golpe certeiro na cabeça. A novidade aqui está no segundo quadro, que chamaríamos hoje de plano subjetivo, pois o que ele dá a ver não é outra coisa que o campo de mirada de um personagem já mostrado num plano anterior. Diante de um enquadramento como esse, o espectador deixa de visualizar o filme com seus próprios olhos e incorpora um outro olhar, um olhar definido dentro da própria ação como pertencente a um outro, o personagem. Naturalmente, a tomada subjetiva é aqui apenas um pretexto para exibir aquilo que mobiliza o público aos vaudevilles: o detalhe do corpo da mulher. Mas a sua generalização nos filmes voyeuristas terá uma importância capital para o desenvolvimento futuro da forma cinematográfica, pois permitirá construir um olhar flutuante e virtual, um olhar que, ao longo do filme, muda continuamente de posição e de situação (ora “interna”, ora “externa”). Ao mesmo tempo, um filme como As Seen inaugura uma sequência simples, mas que terá longa história no cinema: a inserção de um plano aproximado (primeiro plano) no interior de um plano geral, para permitir aproximar o olhar, mas continuando a mesma ação já iniciada no plano anterior.
O caso do buraco de fechadura é mais complexo, pois constitui uma certa corruptela dessa estrutura básica. O efeito de ampliação (visual) e o de aproximação (simbólico) são, como vimos, produzidos pelo dispositivo óptico invocado (luneta, lupa etc.), mas o buraco de fechadura não é propriamente um instrumento óptico de ampliação e, a rigor, não poderia provocar os mesmos efeitos, a não ser por contaminação. E, de fato, nos filmes voyeuristas, o buraco de fechadura vai funcionar exatamente como um dispositivo de ampliação, absorvendo portanto a mesma estrutura de tomadas objetiva/subjetiva experimentada por Smith, em As Seen. Em A Search for Evidence (Uma Busca de Evidências/1903), por exemplo, uma mulher, suspeitosa de que seu marido a traía, percorre os corredores de um hotel (devidamente escoltada por um detetive) e espia pelos buracos de fechadura, na esperança de encontrar o infiel. Cada vez que ela espia, um “corte” permite passar para um quadro “subjetivo”, onde uma cena íntima aparece enquadrada por uma máscara negra simulando um buraco de fechadura, de modo a representar a visão da mulher em cada olhada indiscreta. Na última mirada, naturalmente, o marido será descoberto em um dos quartos, ao lado de sua amante.