No entanto, o ideal de linearização da narrativa em unidades discretas interdependentes ainda está longe de estar alcançado com o filme de perseguição. Em primeiro lugar, vários procedimentos adotados no filme de perseguição denunciam a presença ainda forte do conceito de tableau norteando a decupagem das cenas. Ainda permanece um certo sentido de “autonomia” dos quadros, pois os lugares onde ocorre a perseguição são completamente distintos de um quadro a outro e não a “continuação” (real ou suposta) do mesmo cenário. Vários historiadores já observaram o fato de que muitos filmes de perseguição são, na verdade, travelogues disfarçados, ou seja, filmes de viagens de turismo, onde a perseguição é apenas pretexto para mostrar, em cada quadro, uma paisagem diferente. Este é bem o caso do primeiro filme de Feuillade Un Coup de Vent (Um Golpe de Vento/1906), em que a situação de um palhaço correndo atrás de seu chapéu arrastado pelo vento permite ao cineasta mostrar vários cartões postais de Paris. Os “planos” que representavam a perseguição podiam ser inclusive intercambiáveis entre si e, na verdade, a sua ordem de apresentação era de fato alterada pelos exibidores sem alteração de sentido.
Ademais, os quadros ainda eram demasiado longos e bastante refratários ao corte: eles começavam sempre mostrando a cena vazia, depois o perseguido cruzando o quadro, em seguida os perseguidores um a um, e só quando todos atravessaram o quadro e saíram de campo é que se cortava para o quadro seguinte. Não se admitia ainda cortar no meio da ação, antes do quadro se esvaziar completamente, ou começar um novo plano com os figurantes já no meio do quadro e em plena ação. Vê se, portanto, que, malgrado pareça indiscutível que o filme de perseguição aponte na direção de uma sequencialização da ação e de uma linearização da narrativa, portanto na direção de um esboço de montagem, ele ainda está solidamente ligado aos pressupostos mais básicos do tableau primitivo e do burlesco inicial, pois a sua destinação continuava sendo ainda o vaudeville e o seu público forte permanecia ainda as populações marginalizadas dos cordões industriais.
Se o filme de perseguição não é ainda o gênero cinematográfico que vai colocar em operação uma sintaxe de amarração dos planos, ele desencadeará, pelo seu sucesso, mil variações em torno de sua estrutura básica. Tom Gunning deu o nome de linked vignettes (vinhetas ligadas entre si) a todas as variações do modelo da perseguição, onde se pode encontrar uma sucessão de espaços similares capazes de sugerir uma “geografia sintética” e uma ação contínua e/ou repetitiva representada através de várias tomadas diferentes, mesmo quando já não há uma perseguição a ser acompanhada, mas uma série de gags ligadas entre si por um elemento comum. Bons exemplos desse tipo de filme são That Fatal Sneeze (O Espirro Fatal/1907), em que o diretor Hepworth mostra uma série de acidentes provocados ao longo de um caminho percorrido por um velho “envenenado” por uma dose cavalar de pimenta e que espirra sem parar, e Une Dame Vraiment Belle (Uma Senhora Verdadeiramente Bela/1908), em que Louis Feuillade produz catástrofes semelhantes, só que agora causadas pelo desfile de uma bela mulher que desvia a atenção de todos os homens diante dos quais passa. Muitos desses filmes, não mais motivados por uma situação de vaudeville como a perseguição, mas caminhando já na direção de uma psicologização do humor, serão mais consequentes no processo de abolição da autonomia do quadro primitivo do que o próprio filme de perseguição.