O filme de perseguição vai ocupar, a partir de 1903, um lugar privilegiado no processo de linearização do filme e isso vai ocorrer justamente por causa de resultados satisfatórios que ele obterá na busca da decupagem e da sequencialização, que serão os motivos principais das experiências num momento imediatamente posterior. Nos seus aspectos mais gerais, esse antigo gênero cinematográfico toma as etapas de exposição e resolução apontadas por Williamson como imutáveis e o que ele faz basicamente é repetir quase que ao infinito a etapa intermediária de desenvolvimento, através de uma multiplicação dos quadros que definem a perseguição propriamente dita. Assim, o motivo que justifica a perseguição varia de filme para filme. O que importa, entretanto, é a repetição das etapas de perseguição, onde residia o interesse maior desse tipo de filme. O deslocamento físico de perseguidor(es) e perseguido(s) impõe a solução estrutural de um encadeamento de quadros (“planos”), mostrando as etapas sucessivas e contínuas da ação de perseguição. Como o interesse da audiência estava na perseguição, mais do que na exposição ou resolução final, ela deveria durar o máximo possível, fazendo acumular ao longo do percurso o maior número de obstáculos possível, de modo a adiar o desfecho e aumentar o frenesi da plateia.
Vejamos o exemplo do mais famoso filme de perseguição da época: Personal (Pessoal/1904), realizado por Wallace McCutcheon para a Biograph. O título deriva de uma coluna do jornal New York Herald que publicava pequenos anúncios “pessoais”, geralmente de gente solitária procurando um(a) parceiro(a). No caso, o personagem principal deste filme faz publicar um anúncio solicitando uma mulher que ele gostaria de transformar em esposa e pede que a(s) candidata(s) se encontre(m) com ele num local e horário prefixados. Quando chega o dia do encontro, o personagem se dirige ao local marcado e lá encontra não uma ou duas mulheres, mas uma verdadeira multidão de solteironas, que imediatamente o agarram e começam a disputá-lo. Assustado, o candidato a marido se põe a correr, logo seguido por uma imensa fila de mulheres dispostas a qualquer sacrifício por um marido. O que se passa a seguir é uma longa sequência de quadros onde a situação é sempre a mesma: o personagem aparece correndo desde o fundo da cena em direção à frente, atravessa o quadro e desaparece no espaço off, logo seguido pelas mulheres que estão no seu encalço e que fazem o mesmo percurso. A situação é sempre a mesma, mas alguns detalhes garantem a variação. De quadro a quadro mudam, por exemplo, os cenários percorridos. Além disso, em cada quadro há sempre um obstáculo a ser vencido, como uma cerca que deve ser saltada ou um penhasco que deve ser escalado e assim por diante. Tal expediente não apenas torna a perseguição mais emocionante, mas também permite jogar com uma certa sugestão erótica, fazendo os espectadores pensarem que, ao saltar buracos ou pular cercas, as mulheres iriam deixar ver parte de suas pernas por debaixo dos vestidos (em geral, os espectadores não sabiam ainda que a maior parte das “mulheres” que apareciam nos filmes de perseguição eram, na realidade, homens travestidos). Finalmente, no último quadro, uma das mulheres – naturalmente, a mais robusta e atlética – consegue agarrar o “marido”, encerrando a perseguição.
Este filme exemplar mostra bem as novidades introduzidas pelo filme de perseguição e também os seus limites. De um lado, ocorre aqui uma certa recusa do modelo anterior do tableau primitivo: em vez de uma sucessão em que cada quadro mostra uma ação separada e independente das outras, o encadeamento de quadros agora dá continuidade ao engendramento de uma única ação narrativa, que “continua” de um quadro a outro. Passa-se agora de um plano a outro sem a intermediação de cartelas com letreiros alusivos ao nome de cada quadro. Como o filme de perseguição “unificava” até certo ponto o espaço, criando uma espécie de “geografia sintética” (termo devido ao historiador Tom Gunning), o recurso das cartelas de texto tornava-se obsoleto.