O cinema inglês será a ponta de lança nesse processo de linearização de que se rascunha as primeiras tentativas. Ao lado de Smith, Williamson será outro pioneiro decisivo. No seu Attack on a China Mission (Ataque à Missão Chinesa/1901), filme de cinco minutos dividido em quatro quadros, há um dos mais remotos exemplos de montagem linear que se conhece. Os Boxers (rebeldes chineses que recusavam os valores ocidentais e que atacavam os missionários que iam ao oriente levar a religião cristã) incendeiam a sede da missão religiosa, enquanto a esposa do missionário assassinado sobe até a sacada e faz um sinal com um lenço para alguém situado fora do quadro. De repente, a cena é cortada e substituída pela imagem dos marinheiros de Sua Majestade Britânica avançando em direção à missão para salvar a mulher. Trata-se de uma tentativa (ainda ingênua, é verdade, mas suficientemente eloquente para se fazer entender) de criar um encadeamento lógico entre dois fragmentos de imagens (ainda não são propriamente planos): o gesto da mulher que acena com o lenço no fragmento anterior serve de aviso aos marinheiros e é graças a esse aviso que eles avançam em socorro da missão no fragmento seguinte. Os quadros que compõem o filme perdem a autonomia; já há um esboço de sintaxe amarrando-os entre si; o cinema começa a narrar usando os seus próprios meios e dispensando a explicação do conferencista. Exemplos como esse (há outros na obra de Williamson e de outros pioneiros ingleses) exerceram uma influência marcante sobre a produção narrativa. Assim é que, dois anos depois do Attack, já podemos ver um Porter fazendo os bombeiros despertarem do sono, em decorrência do alarme acionado num primeiro plano mostrado anteriormente, como acontece em Life of an American Fireman (A Vida de um Bombeiro Americano/1903).
A fragmentação da história em unidades elementares traz consequências inúmeras para a nascente narrativa cinematográfica e tanto os realizadores quanto o público vão demorar ainda algum tempo para entendê-las inteiramente. A noção de plano, entendida como fragmento de uma ação em que apenas um dado essencial é colocado de cada vez, começa a ser esboçada. Aos poucos, vai se generalizando a constatação de que uma ação complexa não precisa ser filmada em uma única tomada e de que ela pode ganhar melhor inteligibilidade se for desmembrada em fragmentos, que serão depois recompostos numa sequência linearizada, capaz de guiar os olhos do espectador. A informação contida em cada um desses fragmentos não é mais suficiente para se entender o que acontece no campo da ação como um todo. Agora, o sentido depende do inter-relacionamento dos fragmentos ao longo da série narrativa. Em outras palavras, as unidades de sentido, que começam a ser chamadas de planos, vão sendo hierarquizadas segundo estratégias de ordenamento: o seu tamanho relativo, ou seja, a quantidade de imagem recortada pelo quadro, contribui para dirigir o olhar do espectador, enquanto a sua amarração na sequência temporal sugere um caminho de “leitura” e até mesmo uma interpretação dos fatos. Não estando mais entravada por força de um palco imaginário, a câmera pode ser deslocada para qualquer ponto, de acordo com a intenção narradora de privilegiar este ou aquele detalhe, e pode igualmente colocar-se nos ângulos de visualização que possibilitem intensificar o interesse da cena. Enfim, tendo em suas mãos as rédeas de controle do fluir da ação, os realizadores podem trabalhar melhor e com mais precisão as respostas do espectador. O cinema começa a ser dominado; em algum tempo, ele estará em condições de produzir esse discurso moral que está na mira daqueles que o experimentam e aperfeiçoam.