O espectador dos primórdios fazia uma leitura paratática, ou seja, uma leitura livre de ligações ou de índices de hierarquização, isolamento ou linearidade. Para ele, provavelmente, o quadro não era “caótico”; os seus olhos podiam “passear” livremente sobre a superfície da imagem e fazer ligações erráticas, que um olhar moderno, acostumado com uma imagem fortemente centralizada e hierarquizada, nunca poderia repetir. Se uma quantidade imensa de planos e mesmo de filmes foi produzida nesse sistema, entre 1895 e 1906 sobretudo, isso significa que havia um público capaz de decodificá-la. A sensação de “confusão” só existia para o público “virgem” que começava a frequentar os nickelodeons e que trazia nas costas todo o peso de uma cultura verbalizante. Para esse público sim, o quadro primitivo era ininteligível, ruidoso, parasitário e só podia ser visualizado com a ajuda do conferencista.
Para os homens que faziam cinema, a simultaneidade dos dados visíveis num quadro único começa a ficar problemática quando as histórias levadas à tela se tornavam cada vez mais complexas. Como ter garantias de que os olhos do espectador não iriam se “distrair”, movendo-se em direção a detalhes não necessariamente importantes para o desenvolvimento da intriga? O que fazer para que o espectador visse forçosamente o roubo do porco, com tantos outros elementos atrativos dentro do quadro? Como, enfim, dirigir o olhar apenas para os pontos de interesse da narrativa, evitando que o espectador, por força de algum detalhe perverso ou mal controlado, fizesse uma “leitura” do quadro diferente daquela que a história exigia? Está claro que essa preocupação – que não fazia sentido num primeiro momento, mesmo porque o cinema ainda nem “contava” histórias – só aparece por ocasião da entrada nos nickelodeons do público pequeno-burguês e ilustrado, esse público incapaz de perceber qualquer coerência na “confusão” do quadro primitivo. A partir de então, o esforço dos realizadores vai se concentrar, no início ainda muito intuitivamente,na descoberta de um modo de linearização da imagem “confusa”.