Nos Estados Unidos, particularmente, onde a guerra ao cinematógrafo chegou a um nível insuportável, os industriais que investiam no setor e a pequena-burguesia que realizava os filmes na condição de fotógrafos, cenografistas, roteiristas e diretores, sentiram que o cinema precisava mudar. Esses homens todos perceberam rapidamente que a condição necessária para o pleno desenvolvimento comercial do cinema estava na criação de um novo público, um público que incorporasse também (ou sobretudo) a classe média e segmentos da burguesia. Essa nova plateia não apenas era mais sólida em termos econômicos, podendo portanto suportar um crescimento industrial, como também estava agraciada com um tempo de lazer infinitamente maior que o dos trabalhadores imigrantes. A extraordinária expansão do cinema americano e a sua ascensão ao domínio mundial depois do advento do som foi consequência direta da criação dessa audiência durante o período 1905 – 1915. Já um país como a França, que continuou fazendo cinema popular dirigido ao proletariado dos cordões industriais até o final dos anos 20, acabou perdendo o vasto mercado internacional que havia conquistado nos primeiros tempos e teve de se contentar com a sua pequena audiência doméstica. O grande Méliès, por exemplo, que acumulou fortuna e ganhou prestígio mundial com suas alucinadas féeries (espetáculos de fantasia), acabou seus dias na miséria e no anonimato, vendendo jornais na periferia de Paris.
Ganhar um público mais sério e mais sofisticado: como conseguir isso? Estava claro que o cinema deveria começar a perder a sua inocência, a sua gratuidade, a sua libertinagem e encaixar-se na linha de evolução das artes “elevadas”, tal como a entendiam os homens de cinema da época, sejam eles realizadores ou comerciantes. Num primeiro momento, o cinema adotou a prática da autocensura, como a criação, em 1908 nos E.U.A., de um órgão regulador, a Motion Pictures Patents Company (MPPC). Mas só a censura não era suficiente; ela estabelecia apenas o que não se podia fazer, mas o grande problema era: o que se deve então fazer? O modelo que se apresentou com maior naturalidade e ao qual a maioria dos realizadores se agarrou foi aquele dado pelo romance e pelo teatro oitocentistas. O cinema tinha de aprender a contar uma história, armar um conflito e pô-lo a desfiar-se em acontecimentos lineares, encarnar esse enredo em personagens nitidamente individualizados e dotados de densidade psicológica. O novo cinema, que se começava a ensaiar a partir da segunda metade da primeira década, buscava de todas as formas reproduzir o discurso romanesco dos séculos XVIII e XIX e essa reprodução foi levada tão ao pé da letra que, a partir de então, a própria literatura passou a fornecer o material narrativo que seria moldado pelo cinematógrafo. Era preciso dar legitimidade ao cinema, superar a reação e os preconceitos das classes mais ilustradas, aplacar a ira dos conservadores e moralistas e sobretudo inscrever o cinema no universo das belas-artes.
Curioso é observar que os primeiros filmes “narrativos” que a história do cinema registra, ou pelo menos boa parte deles, não são ficções no sentido pleno do termo, mas reconstituições em forma de atualidades. Já em agosto de 1898, três meses depois do naufrágio do encouraçado Maine no porto de Havana (incidente que desencadeou a guerra hispano-americano), Méliès reconstituiu o evento num grande aquário. No ano seguinte, o mesmo Méliès, misturando fotografias autênticas com simulações produzidas em estúdio reconstituiu o célebre Affaire Dreyfus (O Caso Dreyfus/1899), escândalo jurídico que abalou a França em 1894 com a condenação de um oficial judeu. Está certo que Méliès, ilusionista assumido, nunca pretendeu fazer passar suas reconstituições por documentos autênticos, mas os homens de cinema de sua época não tinham os mesmos escrúpulos.