A pornografia, como não podia deixar de ser, corria solta. A Biograph americana e a Pathé francesa transformaram o erotismo em uma de suas especialidades. Cenas de adultério, mulheres se despindo para ir para a cama, personagens míticas fazendo amor, tudo era válido para excitar uma plateia já por si só bastante suscetível. A Biograph produziu vários filmes curtíssimos destinados sobretudo aos peepshows (salas dotadas de quinetoscópios, onde os espectadores espiavam os filmes através de visores individuais), nos quais atrizes seminuas davam piscadinhas cúmplices ao espectador, implicando-o abertamente como voyeur dentro da cena. Na França, a Pathé também explorava o nu frontal, sobretudo nos pequenos filmes destinados à exibição nos mutoscópios (o equivalente do quinetoscópio mas sem uso de película; o “filme” era composto como um livro onde cada página exibia uma fase do movimento: quando as páginas passavam rapidamente diante do visor individual as imagens pareciam mover-se). A masturbação na sala escura acabou por se converter em prática regular e disseminada, verdadeiro ato de provocação coletiva, que resistiria a todas as formas de policiamento.
A reação, entretanto, contra-atacava com todo furor. Uma onda de moralidade levou o governo americano, na virada do século, a proibir a maior parte das películas destinadas aos quinetoscópios. Um filme pioneiro – Fatima’s Danse du Ventre (A Dança do Ventre de Fátima/ 1894) — foi constrangido a ser exibido com tarjas mascarando partes do corpo da bailarina. Em 1908, o prefeito McClellan de Nova York recusou-se a renovar as licenças de funcionamento dos nickelodeons, receoso de que se tornariam antros de bandidos. Ele baseava-se sobretudo em pareceres emitidos por autoridades civis e clericais que assim se expressavam em seus ofícios enviados à prefeitura: “Ações as mais sugestivas e as mais sedutoras, onde se apela apenas às paixões mais baixas e mais diabólicas dos homens, são jogadas na tela para a corrupção de nossos jovens.” Ou então: “as salas escuras, combinadas à influência das imagens ali projetadas, estão fazendo despontar uma nova forma de degeneração“.
Em outros lugares, sob a alegação de falta de condições de segurança (de fato, as películas à base de nitrato de prata incendiavam-se com muita facilidade e a história do cinema está manchada por tragédias de que ainda hoje não se calcularam todas as vítimas), autoridades e deputados conservadores submeteram as casas de exibição a leis bastante severas, que acabaram por atingir também o conteúdo dos filmes e a liberdade do espectador. O governo do estado de Massachusetts (nos E.U.A.), por exemplo, proibiu a projeção de imagens animadas por mais de dois minutos consecutivos, alegando que elas poderiam causar dano à vista. Em toda parte, eliminou-se a venda de bebidas alcoólicas, censurou-se vários gêneros de filmes, purificou-se o ambiente de todas as suas excentricidades, na tentativa de domar as pulsões que emergiam nesses lugares e assim atrair um público mais familiar.
O ambiente, entretanto, continuava vulgar e as plateias mais “respeitáveis” permaneciam arredias a esses lugares iníquos. A imprensa escrita, particularmente, liderava a guerra contra as perversidades do cinematógrafo. A título de ilustração, basta lembrar os termos com que o editor da revista literária The Chap Book, Herbert S.Stone, referia-se a The May lrwin – John C. Rice Kiss (O Beijo de May lrwin e John C. Rice/ 1896), onde se via, em primeiríssimo plano, os lábios da dupla de atores se unindo num beijo prolongado: “Já no teatro, o efeito desse beijo era uma coisa bestial, mas aumentado em proporções gargantuescas e repetido três vezes, tudo se torna absolutamente repugnante… A imoralidade dos quadros e das estátuas de bronze é pura inocência diante disto aqui“.