1. Quando nasceu o cinema?

Em 1995, o mundo todo comemorou o primeiro centenário do cinema. Exatamente no dia 28 de dezembro de 1895, os irmãos Louis e Auguste Lumière fizeram projetar, no Grand-Café de Paris, uma coleção de imagens fotográficas animadas e essa projeção foi considerada, por grande parte dos historiadores, a primeira exibição pública de cinema e, por extensão, o marco de nascimento dessa arte. Como qualquer outro marco, o do cinema não deixa de ter um valor puramente simbólico, já que de um ponto de vista histórico rigoroso ele é arbitrário.

Quinetoscópio
Quinetoscópio

Hoje se sabe que os irmãos Max e Emile Skladanowsky na Alemanha e Jean Acme LeRoy nos Estados Unidos já promoviam projeções públicas de cinema (inclusive em sessões pagas) muito antes dos primeiros espectadores dos Lumière contemplarem as supostas primeiras imagens cinematográficas, para não falar do quinetoscópio de Thomas Edison, uma espécie de cinematógrafo em versão individual (porém explorado em salas públicas semelhantes às dos modernos fliperamas), que já existia pelo menos dois anos antes da mitológica “primeira” sessão parisiense.

Primeira exibição pública do Quinetoscópio de Edison
Primeira exibição pública do Quinetoscópio de Edison

Quando exatamente nasce o cinema? Antecedentes remotos desse meio de comunicação já podem ser encontrados nos teatros de luz de Giovanni della Porta (século XVI), nas projeções criptológicas de Athanasius Kircher (século XVII), na lanterna mágica de Christiaan Huygens e uma série de outros inventores (séculos XVII e XVIII) e no Panorama de Robert Barker (século XVIII). Além disso, algumas invenções e descobertas, como a fotografia por Nicéphore Nièpce, Louis Daguerre e Hércules Florence (século XIX), a persistência da retina por Joseph Plateau (século XIX) e a decomposição do movimento por Étienne Marey e Eadweard Muybridge (século XIX) jogaram um papel importante na construção do conceito de cinematografia. Na verdade, a invenção técnica do cinema não consistiu em outra coisa que a reunião mais sistemática de todas essas descobertas e invenções num único aparelho por industriais ou curiosos tais como Thomas Edison, Louis e Auguste Lumière, Max Skladanowsky, Robert W. Paul, Louis Augustin Le Prince e Jean Acme LeRoy, no final do século passado.

Teatros de Luz de Giovanni della Porta
Projeções Criptológicas de Athanasius kircher
Panorama de Robert Barker

Ainda assim, esses marcos históricos não definem exatamente o nascimento da ideia do cinema. Várias outras técnicas essenciais para a cinematografia, como é o caso do fenômeno da câmera obscura ou da síntese do movimento através de imagens fixas exibidas em alta velocidade, se perdem na noite do tempo: ninguém sabe quando foram descobertas. Já no século X, pelo menos, o matemático e astrônomo árabe al-Hazen havia estudado vários procedimentos que hoje chamaríamos de cinematográficos. E, na Antiguidade, Platão descreveu minuciosamente o mecanismo imaginário da sala escura de projeção (na célebre “alegoria da caverna”, em A República), enquanto o filósofo romano Lucrécio, na sua obra máxima A Natureza das Coisas, escrita por volta de 50 a.C., já se referia ao dispositivo de decomposição do movimento através de imagens fixas separadas.

Querem ir mais longe? Muitos cientistas que se dedicam ao estudo da cultura do período magdalenense (na pré­-história) afirmam categoricamente que nossos antepassados mais remotos iam às cavernas para fazer e assistir a sessões de “cinema”. De fato, as imagens encontradas nas paredes das cavernas de Altamira, Lascaux ou Font-de-Gaume foram gravadas em relevo na rocha e os seus sulcos pintados com cores variadas. À medida que o observador se locomove nas trevas da caverna, a luz de sua tênue lanterna ou tocha de fogo ilumina e obscurece parte dos desenhos: algumas linhas se sobressaem, suas cores são realçadas pela luz, enquanto outras desaparecem nas sombras. Então é possível perceber que, em determinadas posições, se vê uma determinada configuração do animal representado (por exemplo, um íbex com a cabeça dirigida à sua frente), enquanto, em outras posições, se vê uma configuração diferente do mesmo animal (por exemplo, o íbex com a cabeça voltada para trás). E assim, à medida que o observador caminha perante as figuras pré-históricas, elas parecem se movimentar em relação a ele (o íbex em questão vira a cabeça para trás, ao perceber a aproximação do homem) e toda a caverna parece se agitar em imagens animadas. Não podemos então dizer que o homem das cavernas era já um cineasta e que os seus contemporâneos assistiam, na sala escura, a alguma versão arcaica e remota de uma sessão cinematográfica?

Cavernas de Altamira